As Fábulas de Jean de La Fontaine
O que faz o supremo encanto de La Fontaine como fabulista, o que constitui a sua imensa superioridade sobre todos os que antes e depois dele trataram este mesmo gênero, não é de certo a originalidade, porque raríssimas serão as fábulas cuja idéia ele não houvesse encontrado em Esopo e em Fedro, nos fabulários da meia idade, ou nos contos italianos; não é também a beleza excepcional do estilo, nem a pureza da metrificação, bastante desleixada às vezes. O que constitui o seu encanto supremo é a vida potente que ele sabe dar a todos esses animais que se movem no imenso tablado da natureza, que falam a linguagem que ele lhes presta, obedecendo a paixões que ele lhes atribui. É que os seus personagens têm há um tempo a verdade humana e a verdade zoológica, não essa verdade ilusória que o Senhor Paulo de Rémusat dele exigiu, essa verdade que não é verossímil, essa verdade de empalhador zoológico que faz da borboleta o símbolo da constância, e da rola a imagem da volubilidade. La Fontaine escreveu verdadeiramente a Comédia Humana dos animais. O cão, a raposa, o lobo, o leão, o rato, o gamo, são os Gobseck e os Rastingnac, e os Rubempré que reaparecem a cada instante nos mil capítulos destacados desse vasto romance. É sempre com prazer que tornamos a encontrar o despótico leão, esse Luis XIV da fábula, que entra também de chicote em punho no parlamento animalesco, e se deixa embair pela raposa cortesã e matreira como um Dangeau da corte leonina, e o estouvado ratito, e o Monsieur du Corbeau, vaidoso como um pintalegrete dos jardins de Versalhes, e dom pourceau, como ele diz, grunhidor e pançudo como um abade espanhol.
“Naturalista ou não, La Fontaine conhece admiravelmente os animais, como conhece uma sociedade um viajante finamente observador, em cujo espírito passa como uma lanterna mágica de alguns costumes, mas que perfeitamente compreende nos seus traços capitais.”