“Que o subsistente pessoal (pessoa) seja capaz de comunicar a vida significa que a pessoa é capaz de comunicar aos outros o objeto de sua vida intelectiva: a verdade que conhece e o bem que ama; e que somente a pessoa é capaz de realmente receber essa comunicação. Uma pessoa pode entregar aos outros o seu maior e mais íntimo bem , engendrando em outros espíritos o mesmo modo de vida que vive. Dessa capacidade de comunicar sua vida interior se segue que a pessoa seja o único ente capaz de convivência, ou seja, capaz de viver sua vida com os outros, de comunicar-se com os outros nas ações da vida.
Na ordem da inteligência, deve-se dizer que a intelecção é em si mesma uma comunicação na medida em que é certa manifestação da verdade presente no espírito; esta verdade se faz manifesta como verbo interior diante do próprio espírito que entende. A realidade inteligida por meio do verbo pode ser uma coisa ou uma pessoa, mas o verbo do espírito finito é sempre uma coisa, um acidente, uma espécie criada e finita na qual se manifesta ao espírito o que conhece. Como pode comunicar seu verbo? A pessoa finita não pode comunicar seu próprio ato de intelecção interior, mas pode manifestar o que conhece de modo que torne o outro capaz de engendrar um verbo semelhante ao seu; embora isto se faça de diversas maneiras, segundo as diversas naturezas intelectuais. O homem tenta comunicar o que entendeu mediante signos sensíveis; Certamente, no homem, uma distinção deve ser feita entre o ato de entender(inteligir), de gerar o verbo, e o ato de comunicá-lo a outros homens. O ser humano não pode comunicar o que entendeu tal como se encontra dentro de si mesmo, não só por causa da debilidade de sua intelecção, senão porque também seu ato de entender é imaterial, e os demais homens não podem apreendê-lo por meio de seus sentidos, mas sim por meio de signos sensíveis.
Ao manifestar a verdade que possui, a pessoa finita manifesta a sua vida íntima: fazendo que outros entendam o que ela entende, comunica a sua própria vida. Não pode manifestar seu esse(ser) substancial, mas manifesta o bem que a faz viver e gozar. Evidentemente, quanto mais profunda e enraizada em seu próprio ser seja a verdade que conhece, tanto mais perfeita é a comunicação de sua vida. Uma verdade superficial, extraída diretamente da vida dos sentidos, sem penetrar na causa real das coisas, pode ser, às vezes, uma comunicação útil, mas nunca é uma verdadeira comunicação da vida interior; porque se trata de uma verdade no nível mais ínfimo de inteligibilidade, que não pode dar vida ao espírito.
O ponto culminante da comunicação da vida ocorre na ordem do amor. A verdade que as pessoas comunicam é tanto mais íntima quanto mais amada. Comunicamos aos outros a nossa vida interior tanto quanto o que se manifesta é o que nos faz viver, porque a verdade não é a nossa vida enquanto não for uma verdade amada. Compreender uma verdade muito profunda e não amá-la é não tê-la realmente compreendido e, portanto, não ter recebido o que se queria que nos fosse comunicado. Na verdade, uma pessoa comunica sua vida íntima ao outro quando comunica o amor que a faz viver. Pessoas criadas não podem se comunicar com outra pessoa, mas podem comunicar amor a outra pessoa.
Na ordem dos entes materiais, a comunicação do bem significa sempre a comunicação de algo externo a eles: comunicam uma coisa ou uma forma, mas o que é comunicado ou diminui sua própria matéria ou, pelo menos, permanece sempre externo e indiferente. a respeito de seu próprio ser. Na ordem do espírito, a comunicação do bem é a comunicação daquilo que aperfeiçoa a natureza intelectual; e como o objeto que aperfeiçoa a vida do espírito é alcançado pelo conhecimento(Cf. Summa Theol., 1, q.26, a.3.), parece que apenas comunicando a verdade que entendemos se completa a comunicação da vida íntima.
Certamente a verdade é o bem do espírito, e este a alcança primeiramente por meio do conhecimento. Mas o espírito adere à verdade e repousa nela por meio do amor. Não é qualquer verdade que constitui a vida do espírito, senão aquela que se apresenta proporcional a ele e em que se compraz; Só a verdade que ama é a vida do espírito; e pelo amor, essa verdade se constituí fim. Daí que também pertença à perfeição da natureza intelectual, o amor à verdade que conhece como bem. Certamente será verdadeira perfeição, se o verdadeiro bem for amado ordenadamente; porque quando se ama mais o que é realmente um bem maior, isto é devido a ter realmente entendido a verdade de cada coisa. Mas em qualquer caso, segue sendo vida do espírito aquele bem que, tendo sido conhecido, constitui-se em fim de suas ações.
Posto que o amor do bem constituí também a vida do espírito, cada pessoa tende não somente a comunicar a verdade conhecida, senão o amor ao bem que ama. De fato, sentimos o impulso de comunicar não todas as coisas que conhecemos, mas aquelas que nos deram um certo gozo: queremos que outros leiam o livro de que gostamos, para que outros também gostem; comunicamos uma ciência que entendemos na esperança de que o outro a entenda, para que também a ache bela e a ame. Na manifestação da verdade, a pessoa comunica o bem de sua inteligência, mas na comunicação do seu amor, comunica o bem não só da sua vontade, mas de toda a sua vida, posto que o bem amado se constituí em fim pelo qual o pessoa atua.
Pela comunicação do amor se dá a plenitude da comunicação da vida entre as pessoas. Pois o amor é o que faz um bem se transformar em fim, e o fim é o princípio das operações do agente. Se entendermos que a perfeição do vivente está na execução de suas operações de vida, entenderemos por que comunicar aos outros o próprio fim é comunicar-lhes a própria vida, pois somente pelo fim o vivente se move para realizar seus próprios atos (Cfr. Summa Theol., 1, q.18, a.2). Mas o fim das próprias ações só se comunica enquanto o amor a tal fim é comunicado.”
Tradução: Sérgio Dias
Patricia Astorquiza – Ser y Amor: Fundamentación Metafísica del Amor em Santo Tomás de Aquino