Patologias graves que, até poucos anos atrás, estavam presentes mais nas estatísticas e na literatura do que nos consultórios de psicologia e psiquiatria – como, por exemplo, tendências suicidas na infância e na adolescência – hoje perfazem o triste retrato de uma civilização que vem perdendo a sua seiva. As razões deste evidente declínio são várias: culturais, sociais, políticas, espirituais, ideológicas, psicológicas, filosóficas. Em tal contexto, é importantíssimo proteger a infância, época de formação da personalidade humana, de tudo o que pode defraudá-la, desvirtuá-la, faze-la ir contra a sua própria natureza.
A tarefa a realizar neste cenário é árdua, porém possível no horizonte de uma psicologia realista, de base metafísica, pavimentada por sólida antropologia filosófica. Uma psicologia que contemple a alma humana a partir do conjunto de potências que a integram, desde o plano sensitivo até o volitivo-intelectivo, sem descuidar da memória e da imaginação. Este é o caso da Psicologia Dinâmica Infantil (PDI), que associa conquistas da modernidade a conhecimentos multisseculares hauridos, sobretudo, de Aristóteles e de Tomás de Aquino, que representa o cume da Escolástica.
Tendo em vista a existência de um núcleo amoroso na personalidade humana, que deve ser desenvolvido aos poucos desde a infância, a PDI propõe uma série de exercícios pelos quais a criança começa a abrir os olhos para a realidade com a qual tem contato cotidiano. Esse núcleo evidencia-se na seguinte consideração, salientada por Tomás de Aquino em algumas de suas mais importantes obras: o amor é a raiz primária de todas as emoções humanas.
Neste contexto, o filósofo brasileiro Sidney Silveira lembra-nos o seguinte: “O bem, considerado em si mesmo, excita o amor, primeira e fundamental paixão da alma. Se esse bem amado está ausente, provoca-nos o desejo; se, sendo desejado, julgamos poder obtê-lo, estamos na esperança; se o imaginamos impossível, damos o primeiro passo para cair no desespero; quando o possuímos no presente, sentimos alegria. Em contrapartida, o mal, considerado como algo contrário ao bem que amamos, desperta-nos o ódio; se o mal está presente, aflora o medo; se é inevitável, nos traz tristeza; se nos afeta, advém-nos a ira; se podemos reagir a ele de alguma maneira, a vontade instila o desejo de vingança”.
Como se pode deduzir do texto acima, há um núcleo amoroso na personalidade humana – o qual define um sem-número de emoções, quer sejam benéficas, quer sejam maléficas para a pessoa, em cada circunstância de sua vida. Neste cenário, a PDI tem em vista o seguinte: as emoções podem e devem ser valoradas de acordo com o reflexo que têm no mundo real. Por exemplo: o medo, quando alguém está numa situação temível em que o mal é iminente, é uma profilática defesa psíquica e até mesmo física. Porém, se o medo é desproporcional em relação ao que o suscita, pode transformar-se em fobias difíceis de curar. É, pois, na infância que se deve começar a dar senso de medida aos medos, e tal tarefa só pode ser realizada com sucesso se a sua proposta for trazer a inteligência – a mens, evidenciada por importantes pensadores latinos – para o centro da personalidade. Em breves palavras, um intelecto saudável é indicativo de bom estado psicológico. Entre os filósofos e psicólogos – antigos ou modernos – que modelam os parâmetros da PDI destacamos os seguintes: Platão, Aristóteles, Agostinho de Hipona, Tomás de Aquino, Josef Pieper, Martín Echavarría, Cornelio Fabro, Rudolf Allers, Magda Arnold, Mercedes Palet, Garrigou-Lagrange, Alberto Caturelli.
Embora haja divergência de diversa natureza entre estes autores, o fato é que todos entendem a psique humana como uma estrutura dinâmica de inter-relações entre várias potências. Manter esse dinamismo integrante da alma é uma das metas da PDI, tendo em vista o ato a que cada potência anímica tende. Por exemplo: a inteligência (do latim intus legere, “ler por dentro”) tende à verdade como a seu fim próprio. Portanto, mentir é, de alguma maneira, ir contra a natureza do intelecto – que ao se expandir busca a verdade. Não por outro motivo, esses filósofos e psicólogos, cada qual a seu modo, entendem que a saúde da alma pressupõe uma boa leitura da realidade por parte inteligência, pois o homem é um ser com o mundo, e não um ente isolado do mundo.
Outro ponto a salientar, neste contexto, é o das relações entre a inteligência e a vontade.
Aqui, a premissa tomista é a que a PDI pega de empréstimo: o verdadeiro (objeto da inteligência) está para o bom (objeto da vontade) assim como o ato está para a potência.
Isto porque a vontade só se movimenta a querer o que lhe parece bom, e isto que apresenta a ela é a inteligência. Noutras palavras, é impossível querer o que não se conhece, e mais o que não se reconhece como algo bom. Portanto, o bem move a vontade.
Educar a vontade a querer de maneira ordenada pressupõe que se eduque a inteligência a conhecer a verdade, a qual é certa adequação entre o intelecto e o ser das coisas (adequatio intellectus et rei).
A base filosófica da PDI pode dizer-se realista, na aristotélica acepção do termo.
As Virtudes na Primeira Idade
A Psicologia Dinâmica Infantil (PDI) parte do princípio de que é necessário à criança – desde pequenina – ir desenvolvendo o seu caráter em meio a atitudes positivas de confiança perante os desafios apresentados pela vida. Neste ponto, é Tomás de Aquino quem nos dá o insumo teórico, com a seguinte definição: “Confiança é uma esperança fortalecida por inabalável convicção”. Em tal contexto, a atuação dos pais ou responsáveis, que são os educadores mais próximos no seio da família, é no sentido de fazer germinar, com gestos e palavras, a confiança – que no futuro se transformará em escudo psíquico contra um sem-número de traumas que constam do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Desorders (DMS).
Noutras palavras, trata-se de uma formação estruturante que serve de anteparo em vários momentos nos quais dramas ou desordens despontam como uma possibilidade real na vida da pessoa. A educação humana começa na confiança. O filho pequeno inicia a sua trajetória de vida confiando na palavra dos pais, conforme vai indagando deles a respeito das coisas da vida. Nesta fase, é de fundamental importância os pais ou responsáveis não deixarem a criança sem respostas; no caso de não saberem o que dizer no momento em que são indagados, eles devem buscar uma explicação satisfatória, tão logo possam. Isto aumenta a confiança de quem, na aurora de sua existência, busca com avidez conhecer o mundo.
De maneira análoga, o aluno, no começo do seu aprendizado, precisa confiar na palavra do mestre, sem o que é absolutamente impossível a aquisição de conhecimentos objetivos. Todo magistério inicia-se tendo a confiança como seu instrumento próprio. Quem confia espera, e o que espera é um bem – no caso, o bem do intelecto, que não é outro senão aquilo a que costumamos chamar “verdade”. Esta é a posição filosófica de Aristóteles e Tomás de Aquino que a PDI toma de empréstimo, quando propõe ser a confiança algo de enorme valor para o desenvolvimento da pessoa humana. É também a confiança um dos pilares das virtudes, que são hábitos por meio dos quais o homem age em conformidade com a sua própria natureza, a saber, de ente dotado de vontade e inteligência como potências superiores radicadas na sua psique.
No caso das crianças, é na primeira idade que elas devem começar a travar contato com as virtudes, o que pode e deve ser feito pela apresentação a elas de valores perenes por pessoas em que ela confia. Mas a partir de que exemplos? A PDI sugere que este caminho se inicie por boa literatura – que é sempre fonte de enriquecimento do imaginário. Convém que a semente das chamadas virtudes cardeais – prudência, justiça, fortaleza e temperança – seja plantada na alma da criança nos primeiros anos de sua vida. Estas quatro virtudes, chamadas “cardeais” por serem o eixo orientador de várias outras virtudes, devem ser incentivadas de maneira paulatina, com exemplos e palavras. Neste contexto, cumpre dizer que a Psicologia Dinâmica Infantil visa a trazer às crianças o que os pensadores escolásticos chamavam de “sensus communis”.
Em breves palavras, trata-se do multissecular bom senso, que serve como bússola psicológica pela qual se evitam incontáveis problemas. É preciso que as crianças aprendam a identificar as evidências, em cada circunstância da vida — o que é um aprendizado progressivo e constante. Quem não enxerga as coisas óbvias está animicamente desaparelhado para amadurecer. Neste ponto, convém salientar que não defendemos nenhum tipo de amadurecimento precoce, mas sim que não se interrompa este processo natural iniciado na infância. O salutar equilíbrio das emoções deve começar neste período de formação das notas distintivas da personalidade. Para alcançá-lo é preciso incentivar os pequenos a lidar – aos poucos – com metas a cumprir, tarefas a realizar, objetivos de médio prazo a atingir, pois tudo isso tende a retirar a criança do “aqui e agora”, no qual muitas vezes as emoções fazem valer o seu império nem sempre sereno. Este trabalho não se realiza sem o norte das virtudes.